sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Mal e o Bem?

Nos últimos dias, uma situação de caos se abateu sobre a cidade do Rio de Janeiro. Traficantes de drogas, numa ousada resposta à política de -supostamente - segurança implementada pelo governo peemedebista na cidade, atearam fogo a dezenas de veículos por toda a cidade. Numa resposta direta à resposta, o Estado acelerou o processo em curso que é tido pelas autoridades como uma retomada de territórios dominados por marginais e sua posterior entrega à sociedade. Em meio do bombardeio de informações de caráter meramente descritivo e acrítico - é preciso vender, não? - se faz necessário um esclarecimento acerca das motivações que levam um indivíduo a assumir uma postura criminosa; da natureza, fins e meios da tal política de segurança; e uma clara distinção, que aos olhos dos governantes do estado democrático de "direita" parece absurda, entre Estado e sociedade.

A entrada de indivíduos no mundo do tráfico de drogas no Rio de Janeiro não me parece ter outra causa senão as de origem socio-econômica. Não se trata de natureza humana, mas de motivações práticas que levam a tal atitude. Em qualquer parte onde haja a privação sofrida por alguns e a opulência praticada por outros, há o banditismo praticado por alguns e a repressão que vem de cima. O problema é, então, sistêmico e, ao contrário do que se tem dito e do que se tem feito, não se trata de eliminar indivíduos, mas as causas do problema.

Partindo da perspectiva tradicional, a violência e a repressão são, obviamente, indiscriminadas. "Favela é fábrica de marginal", como bem disse o seu governador e é pra lá que se atira. É lá que se invade o domicílio sem mandado. O que se criminaliza é, assim, a pobreza, o pobre. Quando os caveiras, uma das maiores máquinas de guerras do mundo, chegam, são aplaudidos pela população. A mesma que pensa que bandido bom é bandido morto, mesmo sem pena de morte no país. A mesma que se esquece de que atacando os efeitos - o tráfico de drogas - e não as causas - a desigualdade social - o problema persiste. Ataca-se os sintomas acreditando atacar a doença.

Em que consiste, aliás, a política de segurança implementada por Paes, Cabral e Lula? A quem serve tal política? Parece-me impossível separar o processo de instalação de UPPs da escolha do Brasil e do Rio para sede da próxima copa do mundo e das olimpíadas de 2016, respectivamente. Para tornar mais clara essa associação, devemos passar por outro ponto dos que tratarei: a separação entre Estado e sociedade.

A instituição Estado, ao contrário do que se apregoa, não se trata de uma entidade que paira acima das classes, em perfeita equidistância em relação a elas. Na verdade, este se encontra lado a lado com uma classe social ou com campo - conjunto - delas. Sociedade, por outro lado, pode ser definido em termos simples como o conjunto de todas as classes sociais em constante contradição de interesses.

Voltemos à prática. Nos apropriando do senso comum, temos de um lado a polícia, como aquela que salvará o Rio das mãos dos vilões, os traficantes dos morros cariocas. Essa polarização artificial construída pela mídia não se sustenta diante de uma análise mais profunda. Os diversos aparelhos militares que agora atuam em conjunto nas comunidades da Penha nada mais são do que aparelhos repressivos do Estado e, por isso, estão a ele intimamente ligados. O Estado, como já se viu, representa uma classe ou um campo delas. Nos vemos, agora, diante de uma simples questão de lógica e a conclusão possível é só uma: os órgãos policiais servem diretamente a tal classe ou a tal grupo. Como quando da instauração das ditaduras na América Latina, uma classe possui um projeto claro, mas para alcançá-lo não precisa se fortalecer. O Estado, como uma marionete e se valendo de seus aparelhos, fará isso.

Podemos, agora, retornar ao problema principal. Tendo em vista os anos de 2014 e 2016 a que classe social poderia interessar a ocupação territorial das localidades dominadas pelo tráfico? "Ao capital imobiliário", todos respondem numa só voz. Quanto milhões as empreiteiras, construtoras, imobiliárias, etc... não ganhariam e ganharão com a cidade "limpa" - para usasr sua linguagem - de bandidos e de seus confrontos?

Agora já despidos das lentes impostas pela mídia, pode-se ver o problema com mais clareza. Quem quer combater o tráfico, age nas fronteiras, impedindo a chegada de armas e de drogas - não que eu pense assim com relação às drogas; age no bloqueio de bens de parentes de traficantes; age - e aqui o principal - em políticas de redistribuição radical de renda; e não com o enfrentamento direto, com desrespeito aos direitos individuais, com o genocídio nas favelas cariocas, com a criminalização da pobreza. O que se quer combater são os traficantes.

Alguns parágrafos pra tentar, de forma não tão satisfatória, discutir sobre o que ocorre de verdade na cidade. Mas tem gente com a capacidade de fazer melhor e em Dó menor. Mc Leonardo e Mc Júnior:

Tá Tudo Errado Mc Júnior E Leonardo

"Comunidade que vive a vontade
Com mais liberdade tem mais pra colher
Pois alguns caminhos pra felicidade
São paz, cultura e lazer
Comunidade que vive acuada
Tomando porrada de todos os lados
Fica mais longe da tal esperança
Os menor vão crescendo tudo revoltado
Não se combate crime organizado
Mandando blindado pra beco e viela
Pois só vai gerar mais ira
Naqueles que moram dentro da favela
Sou favelado e exijo respeito
São só meus direitos que eu peço aqui
Pé na porta sem mandado
Tem que ser condenado
Não pode existir

Está tudo errado
É até difícil explicar
Mas do jeito que a coisa está indo
Já passou da hora do bicho pegar
Está tudo errado
Difícil entender também
Tem gente plantando o mal
Querendo colher o bem

Mãe sem emprego
Filho sem escola
É o ciclo que rola naquele lugar
São milhares de história
Que no fim são as mesmas
Podem reparar
Sinceramente não tenho a saída
De como devia tal ciclo parar
Mas do jeito que estão nos tratando
Só estão ajudando esse mal se alastrar
Morre polícia, morre vagabundo
E no mesmo segundo
Outro vem ocupar
O lugar daquele que um dia se foi
Pior que depois geral deixa pra lá
Agora amigo, o papo é contigo
Só um aviso pra finalizar
O futuro da favela depende do fruto que tu for
plantar"

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Pense Rápido.

A ‘GUERRA DAS MALVINAS' DE SERRA


O que há de comum entre: a) a ofensiva de Serra contra a Bolívia; b) a 'guerra das Malvinas', iniciada pela ditadura argentina em 1982; c) o 'Plano Cohen' -- falso levante comunista denunciado pelo integralismo em 1937, para justificar o golpe do Estado Novo; d) o 'Pacto ABC', inventado pela UDN em 1954, sobre suposta aliança Vargas-Perón para implantar um cinturão de repúblicas sindicais na AL; e) a 'Carta Brandi', forjada por Carlos Lacerda em 1955 como prova da ‘conspiração de caudilhos' para impor um poder sindical ao país'?
(Carta Maior responde: esses fatos refletem momentos de isolamento desesperado dos interesses conservadores, que buscam num suposto inimigo externo a legitimidade que falta a seus planos de poder)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

13 anos e a Esquerda na América Latina.

Por Emir Sader

Como mudou o mundo nestes 13 anos.
Desde então tivemos os dois governos de FHC e sete anos do governo Lula, no Brasil. A América Latina ainda vivia o auge neoliberal. Desde então vieram várias crises, a brasileira de 1999, a argentina de 2001-2002. Paralelamente, o grito dos zapatistas em Chiapas, as mobilizações camponesas e indígenas no Brasil, no Peru, na Bolívia, no Equador, entre tantas outras mobilizações populares. O surgimento do Fórum Social Mundial, as grandes mobilizações contra a guerra do Iraque. Mas também os atentados em Nova York e em Washington, a declaração das “guerras infinitas” pelo governo Bush, as invasões do Afeganistão e do Iraque, entre outras agressões imperialistas.

Se eu fosse escolher um momento especial nesses 13 anos, eu escolheria a eleição de Evo Morales, em dezembro de 2005, para a presidência da Bolívia. Em primeiro lugar, porque pela primeira vez um indígena, em um país em que mais de 60% se considera indígena, foi eleito presidente. O mais importante, no entanto, foi ter sido eleito no bojo de cinco anos de lutas antineoliberais, demonstrando como o movimento indígena boliviano havia se transformado na liderança dessa luta na Bolívia.

Um país que tinha tido um pujante movimento mineiro quando a exploração do estanho era a atividade fundamental do país, mas essa atividade – assim como o movimento operário vinculado a ela – não sobreviveu ao devastador diagnóstico do neoliberalismo, que literalmente matou o paciente com a doença – a exploração do minério e a inflação.

A continuação desses governos das elites bolivianas esbarrou na resistência indígena quando tentou privatizar a água e aí se iniciou um novo ciclo de mobilizações populares, agora liderado pelos movimentos indígenas. Um momento decisivo na nova etapa não apenas da Bolívia, mas da esquerda latinoamericana, foi quando os movimentos indígenas passaram da resistência à disputa hegemônica, fundando um partido – o MAS. A liderança de Evo Morales e o papel intelectual e político do seu vice-presidente, Álvaro García Linera, foram determinantes para que a força social e cultural acumulada se transformasse em força política e impusesse sua hegemonia ao conjunto do país.

Esse processo faz parte do movimento político mais importante destes 13 anos, o surgimento dos governos progressistas na América Latina. Por isso, podemos dizer que, pelo menos para a América Latina – e para nós, brasileiros, entre eles – o mundo ficou melhor nestes 13 anos.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ação ou propaganda?

UPP para inglês ver?
Por Vitor de Castro

Em dezembro de 2008 foi inaugurada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, na favela Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul da cidade. Pouco mais de um ano depois da instalação das primeiras UPPs, o governo do Estado e a imprensa têm divulgado números promissores em relação à violência nessas localidades, dando como principal exemplo o morro Santa Marta.

A antropóloga e pesquisadora Ana Paula Miranda acredita que as UPPs podem se tornar uma política importante no campo da segurança pública, mas que “o que temos visto é a grande necessidade de dizerem que está dando certo. E dessa forma não estão tratando o tema com a seriedade necessária”. Ana Paula fala do aumento de 2008 para 2009 do número de homicídios e de autos de resistência na Área Integrada de Segurança Pública que engloba a favela Santa Marta. O número de autos de resistência passou de oito em 2008 para 18 em 2009 e o de homicídios de 18 para 29 no mesmo período. Esse aumento se deu justamente no ano em que a UPP já estava instalada. “Numa região que os índices de homicídios e de autos de resistência têm baixíssima incidência, um crescimento desse nível é bem alto. Isso faz parecer que estão a todo custo querendo mostrar para a opinião pública que as UPPs são um sucesso”, explica a pesquisadora.

“Por exemplo - e acho que isso é forçar a barra desnecessariamente - como dizer que diminuiu o número de assaltos a coletivos no Santa Marta, se não trafegam ônibus por lá? Eles podem dizer que os dados são de ônibus assaltados na São Clemente, exatamente em frente ao Santa Marta, mas seria no mínimo exagerado”, completa Ana Paula.

Essa necessidade de mostrar que as ações de segurança estão dando certo pode ser exemplificada por matéria publicada no dia 9 de fevereiro deste ano, quando o jornal O Globo divulgou dados disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ). O jornal estampou em chamada de capa que a taxa de homicídios no Estado havia caído, apresentando o menor índice dos últimos dez anos, quando na verdade sofreu uma oscilação para cima de 0,2%. “Eles dizem que todos os índices de violência estão caindo, mas os dados públicos não dizem isso”, comenta a pesquisadora.

Um outro exemplo citado por Ana Paula são pesquisas de opinião realizadas por institutos que não transmitem confiança. “Um instituto que não é sério tem realizado pesquisas de opinião a um custo baixíssimo e os jornais acabam comprando. Numa delas eles falam da aprovação da quase totalidade da população em relação à UPP. Mas eles fazem pesquisa por telefone fixo e sabemos que a grande maioria dos moradores de favelas não têm telefone fixo”, questiona a pesquisadora.

Para Ana Paula, “é preciso entrar e fazer uma pesquisa qualitativa na região para avaliar essa política. Não podem achar que entrou, melhorou e acabou. Em várias cidades, como Bogotá e Medelín, pelo fato de não ter sido feita nenhuma avaliação e de se dar continuidade ao processo, muita coisa está retrocedendo”. Outro detalhe colocado pela pesquisadora é que “a população não apóia a polícia da forma que tem agido ao longo do tempo. Se a UPP representa outras práticas, a população vai preferir. Mas o que parece é que não muda tanto assim”, diz, fazendo referência ao texto escrito recentemente pelo também pesquisador Antônio Machado sobre as Unidades de Polícia Pacificadora. No artigo, Machado afirma que é preciso ter cuidado para que as UPPs não sejam um “pretexto para a exclusão social e a submissão cultural e política das camadas populares”.

Ana Paula acha necessário um acompanhamento das ações das UPPs. Para ela, qualquer política séria deve ser avaliada regularmente. Ela lamenta ainda que as dúvidas levantadas em relação às Unidades Pacificadoras “são tidas como uma crítica de uma pessoa que torce para dar errado. Se você critica, você é contra. Essa lógica é péssima, a crítica serve também para melhorar o que tem sido feito”, conclui.

“Minha esperança é de que essa política seja avaliada, criticada e que se veja o que é necessário para aprimorar. Por enquanto a UPP é uma política de governo, mas eu estou pensando não nos próximos quatro anos, mas nos próximos dez. Quero que seja uma política pública, a população está preocupada com a continuidade. É preciso que se torne uma política de estado e não um projeto de governo. E vou ficar feliz se virar uma política de estado e funcionar”, finaliza.

Retirado de http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=786